segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Fraude contra o INSS: sacos com R$ 140 mil, por semana


Marcelo Auler

Nos anos 90 era comum o loteamento de agências e postos de atendimento do INSS entre políticos que apoiavam o governo. Francisco Dornelles (PP-RJ), então deputado federal, ministro da Indústria e Comércio no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) e do Trabalho, no segundo governo (1999-2002), usou deste loteamento.
Francisco Dornelles, desde a ditadura militar, sempre aliou-se ao governo, seja ele qual for - Foto: reprodução
Francisco Dornelles, desde a ditadura militar, sempre aliou-se ao governo, seja ele qual for – Foto: reprodução
Sempre aliado dos governos, desde a época da ditadura militar, com a força política que acumulou – também presidia o extinto Partido Progressista Brasileiro (PPB) -, também indicou apadrinhados para as gerências do INSS. Foi o caso de Maria do Carmo Batista de Almeida, nomeada chefe da Gerência Regional do Seguro Social (GRSS) da Penha (subúrbio do Rio), em 30 de julho de 1996.
Maria do Carmo não tinha propriamente uma ficha limpa. Ao trabalhar no posto do INSS da Avenida Marechal Floriano (centro do Rio), no início da década de 1990, envolveu-se também em fraudes contra a Previdência. Nem por isso deixou de contar com o apoio do então ministro para novos cargos de chefia, como relatou o, na época, superintendente do INSS no Rio, Jackson Vasconcellos (veja trechos do depoimento dele abaixo). Foi no cargo da Marechal Floriano que ela, através da interlocução de João Carlos Boechat Capita, já na época trabalhando para o político, resolveu pendências da família Dornelles junto à Previdência.
Ao assumir a chefia na GRSS da Penha, Maria do Carmo, como destacou  o procurador Marcelo Freire na denúncia que apresentou em 2002, “colocou em posições estratégicas servidores de sua inteira confiança, agregados ao propósito criminoso. Para a chefia do Posto do Seguro Social – PSS Filomena Nunes foi designada Antônias Gezilda; para a chefia do PSS André Azevedo, Jair Gonçalves; para o PSS Quitungo, Marcus Eduardo; e para a o PSS Penha Circular, Elso de Souza. 
O esquema da fraude à Previdência foi descrito, em 2002 pelo procurador, na acusação apresentada à 8ª Vara Federal Criminal, contra 22 pessoas:
Trecho do depoimento do depoimento do ex-superintendente do INSS, Jackson Vasconcellos, transcrito na denúncia
Trecho do depoimento do depoimento do ex-superintendente do INSS, Jackson Vasconcellos, transcrito na denúncia
 “Ocorreram fraudes em larga escala nos Postos de Seguro Social Filomena Nunes, André Azevedo, Quitungo e Penha Circular, tendo sido causado um prejuízo patrimonial ao INSS na ordem de R$ 2.630.527,94 (dois milhões, seiscentos e trinta mil, quinhentos e vinte e sete reais e noventa e quatro centavos).
 O dinheiro público era desviado principalmente por meio da reativação irregular de benefícios com a emissão de créditos indevidos, recebidos por falsos procuradores dos segurados em agências bancárias conveniadas. 
(…) dentro da dinâmica da fraude, o que ocorria era a reativação irregular de benefícios, originalmente concedidos de forma regular a diversos segurados, e que, por algum motivo estavam fora de cadastro (por exemplo: morte do segurado original, fim do período de afastamento por acidente de trabalho, etc.)
(…) Destaque-se que os segurados originais jamais tomavam conhecimento das reativações de seus benefícios, que eram recebidos por falsos procuradores, pois os fraudadores tinham o cuidado de modificar no sistema os endereços dos titulares dos benefícios para que estes não recebessem correspondências do INSS relativas à reativação dos pagamentos, o que era feito automaticamente pelo sistema informatizado”.
(…) Importante destacar que durante a gestão da denunciada Maria do Carmo como Chefe da Gerência Penha, os postos a ela vinculados emitiram 20% dos Pagamentos Alternativos de Benefícios (PAB´s) pagos por todos os postos do INSS no Brasil, com média de R$ 3.422,00 por PAB contra a média nacional de R$ 529,00″.
Para Freire, o esquema era comandado por Boechat Capita que  “fixava as diretrizes e metas a serem alcançadas pela quadrilha no que se refere ao volume de recursos desviados, tendo inclusive atuado de forma extremamente relevante para que Maria do Carmo fosse nomeada chefe da Gerência Penha. Ademais, Boechat, utilizando-se de sua influência política, garantia aos demais denunciados a perpetuação da empreitada delituosa, merecendo destaque o fato de que a Auditoria do INSS somente interveio após as fraudes terem sido amplamente divulgadas pelos jornais da época”.
Na verdade, é preciso levar em conta que o chefe de gabinete jamais conquistou algum mandato eletivo. Logo, deduz-se que a influência política para nomeações e até mesmo manutenção no cargo dos servidores envolvidos nas fraudes vinha do político Dornelles. Tal e qual narrou o superintendente do INSS no Rio à época, Jackson Vasconcellos, como se verifica em trechos do seu depoimento, postados na foto ao lado.
Apesar disso, Freire fez recair sobre o assessor a responsabilidade do esquema de corrupção, no qual aparecia como intermediário. Ao que tudo indica, ele era o interlocutor do ministro junto aos servidores nomeados por apadrinhamento para o INSS.
Além de Maria do Carmo, o chefe de gabinete dirigia-se também a José Guzzo e Reginaldo Cavalcante da Silva Filho, que não eram servidores do INSS. Aos dois atribuíam a tarefa de arregimentar falsos procuradores que, mediante pagamentos, sacavam nas instituições bancárias os valores correspondentes aos PAB´s fraudulentos.
Dinheiro na sacola de supermercado  -  O próprio depoimento de Maria do Carmo demonstra isto. Embora tenha dito que foi convidada para um “trabalho político” por Boechat Capita, ela relatou que semanalmente levava o dinheiro arrecadado na Avenida Beira Mar, no centro do Rio, onde funcionava o escritório do Partido Progressistas Brasileiro (PPB), presidido por Dornelles (veja detalhes do depoimento na foto). As notas eram transportadas em sacolas de supermercado.
No depoimento de Maria do Carmo relata as sacolas de supermercado com dinheiro encaminhadas semanalmente.,
No depoimento de Maria do Carmo relata as sacolas de supermercado com dinheiro encaminhadas semanalmente.,
Boechat, segundo o procurador, traçava as metas do “trabalho político” a ser desenvolvido pelos nomeados através das indicações e pressões do ministro:
“Segundo apurado pela Autoridade Policial, Boechat dizia a Maria do Carmo e Reginaldo  que a arrecadação da importância de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais) por semana se destinava ao “trabalho político” que estava fazendo, sendo que esta quantia era entregue por Maria do Carmo e Reginaldo a Boechat”. explicou Freire.
O envolvimento de Dornelles, ficou bem caraterizado nos depoimentos do superintendente Vasconcellos que  “recebeu diretamente do ministro Dornelles várias recomendações para ajudar as duas envolvidas Maria do Carmo e Antônia Gezilda” (justamente as apadrinhadas que ele indicou para os cargos).
Também quando o esquema foi descoberto, por conta do excessivo números de PAB’s emitidos por aquela gerência, destoando das demais regiões, telefonemas de Boechat Capita a Vasconcellos tentaram evitar o afastamento dos servidores envolvidos, a começar por Maria do Carmo.
Na época em que Boechat Capita foi preso – outubro de 2002 – o então ministro Dornelles reagiu com irritação ao noticiário que o envolvia com todo o esquema. Em uma entrevista à Isto É Dinheiro: classificou que tudo não passava de uma armação política:
É tudo armação política. Mas quero que investiguem tudo, é preciso que apurem tudo até o final, disse.
Não era bem assim. Como se constata na reportagem “Dornelles, beneficiado por Brindeiro, cai na rede de Janot“”. Nada, porém, foi apurado com relação ao seu possível envolvimento. Todo o material quer o procurador Freire encaminhou para a Procuradoria Geral da República em Brasília por conta do foro privilegiado do ministro, acabou arquivado por Geraldo Brindeiro “por ausência de um suporte probatório, ou mesmo indícios, a lastrear a prática  de atos  de persecução penal em desfavor do Deputado Federal Francisco Dornelles”.
Com relação a Boechat Capita, Dornelles dizia que verificou pessoalmente a conta bancária de seu assessor sem encontrar depósitos acima de R$ 3 mil. “O Boechat é inocente, um pobretão, um homem honesto e de minha total confiança”, assegurou.
No Jornal O Globo a explicação para inocentar o assessor: "ele era pobre".
No Jornal O Globo a explicação para inocentar o assessor: “ele era pobre”.
Em outra entrevista, desta feita a O Globo, ele insistiu no fato de que Boechat era pobre e alegou ainda que, em 1996, ele sequer era seu assessor, apesar de ser membro do partido.
Se Boechat era ou não assessor de Dornelles, pode até ser algo irrelevante, muito embora esta não seja uma versão confiável.
O fato é que, como explicou Vasconcellos, o próprio Dornelles procurou seu colega, o ministro da Previdência e indicou  a gerente regional. Esta, por sua vez, levou gerentes de confiança para os postos daquela área. Em seguida, lembrou Vasconcellos,  houve um aumento vertiginoso da concessão de Pagamentos Alternativos de Benefícios (PAB’s). Ao verificarem esse crescimento desproporcional.esbarraram no esquema fraudulento.
Também é inconteste, pelos depoimentos de Jackson e dos próprios denunciados, que Boechat – sendo ou não assessor de Dornelles -, fez toda a interlocução com os servidores do INSS envolvido nas fraudes.
Pouco relevante também a explicação do ministro com relação à situação financeira do seu chefe de gabinete. Afinal, entre as muitas conversas de Boechat com o ministro, captadas pelo grampo da Polícia Federal, feito com autorização judicial,  houve uma em que os dois abordaram justamente a forma de não permitir discrepância entre os ganhos oficiais do assessor e sua declaração de Renda à secretaria da Receita Federal. Sobre isso, o procurador Freire, comentou na peça acusatória:
Inicialmente, merece destaque o teor de conversa telefônica mantida pelo então Ministro Francisco Dornelles com o denunciado Boechat no qual resta evidenciada uma preocupação dos interlocutores com a situação das declarações de rendimento de Boechat nos anos de 1996-1997, exatamente no período em que ocorreram as fraudes colacionadas na presente inicial. (apenso nº 106)
Resta consignado de forma expressa nas degravações quando Boechat afirma que tem possibilidade de “compor” suas declarações, ou seja, justificar seus  obtidos, conforme orientação que iria obter junto a seu contador“, transcreveu.
Se Boechat realmente era “um pobretão”,demonstra que a situação do então ministro era mais complicada. Primeiro seria necessário explicar  o motivo de tê-lo questionado, sendo ele seu chefe de gabinete ou não, sobre  a declaração de renda. Afinal, “pobretão” não costuma ter esse tipo de preocupação, já que não há muito que declarar ao fisco.
Mas não é só. Como sempre falou Maria do Carmo, o chefe de gabinete tratava como um “trabalho político” a arrecadação de verbas proveniente das fraudes. Logicamente que este dinheiro não se destinaria ao próprio que, como já se disse, nunca foi eleito para qualquer cargo. Isto permite concluir que o dinheiro destinava-se aos projetos políticos de Dornelles, para quem Boechat trabalhava ou, quando menos, do partido, o PPB, que ele presidia.
Confirmando-se esta tese – de que Boechat não se beneficiou com a verba desviada -, se verificará que enquanto o parlamentar/ministro beneficiou-se por suas ligações com o governo da prática de engavetar inquéritos adotada por Brindeiro, seu chefe de gabinete, “um pobretão”, pagou o pato sozinho, até com alguns dias de cadeia. Tudo sem ganhar nada em troca pois, afinal, ele “era um pobretão”.
http://www.marceloauler.com.br/fraude-contra-o-inss-sacos-com-r-140-mil-por-semana/

Opinião

A prisão de Cunha

Lavagem de dinheiro, definiu o STF, é crime permanente. Eis uma razão para encarcerá-lo
por Wálter Maierovitch — publicado 21/12/2015 02h23
Lula Marques/Agência PT
Pouca gente sabe, mas existe uma Escola de Cidadania na esquecida e populosa zona leste da capital de São Paulo: 3,3 milhões de indivíduos. Está instalada no bairro de Ermelino Matarazzo, funciona na Igreja de São Francisco e depende do trabalho do seu fundador, Antonio Luiz Marchione, o popular Padre Ticão.
Neste mês de dezembro participei, com o arquiteto Ruy Ohtake e a deputada Luíza Erundina, de dois colóquios de fim de ano. Os formandos e a comunidade ouviram considerações sobre a atuação e o comportamento ético de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e oimpeachment.
Este é um instituto para julgamento político nascido no Parlamento inglês, em 1376, quando reinava Eduardo III e diante de acusações de incompetência e corrupção dos seus ministros e da sua  amante Alice Perrers: o impeachmentrestou incorporado ao sistema da Common Law.
Para defender a urgência na decretação da prisão cautelar de Cunha, lembrei prever o nosso ordenamento legal a prisão em flagrante delito e estabelecer o poder-dever das autoridades em dar voz de prisão, diante de situações estabelecidas na lei processual penal.
Mais, frisei o fato de poucos saberem que o nosso Código Penal contempla delitos de consumação instantânea e crimes permanentes: nos permanentes, o momento consumativo prolonga-se no tempo, como, por exemplo, na extorsão mediante sequestro. Aí caberá a prisão em flagrante enquanto a vítima for mantida em cativeiro, sob  domínio do sequestrador.
Importante lembrar, ao tempo do julgamento do “mensalão”, ter o Supremo Tribunal Federal (STF) decidido, com relação ao crime de lavagem de dinheiro (e Cunha está sendo acusado de lavagem de dinheiro), tratar-se de crime permanente.
No particular, o STF desprezou o entendimento de doutrinadores a sustentar a lavagem de capitais como crime instantâneo de efeito permanente. Pela atual jurisprudência do STF, o crime de lavagem de dinheiro se protrai, se alonga no tempo, ou seja, é crime permanente. 
No caso Cunha, a consumação delinquencial se alonga, com ocultação permanente de capitais em contas correntes. Tudo não declarado no Brasil, com evasão de divisas e dinheiro em odor de corrupção. Trocado em miúdos, pode-se dar voz de prisão em flagrante a Cunha.
Como reforço, convém lembrar o caso Delcídio do Amaral, preso preventivamente, tendo o ministro relator Teori Zavascki sustentado tratar-se o crime de formação de organização criminosa, de natureza permanente, e que poderia, até, ensejar prisão em flagrante.
Rodrigo-Janot
Janot poderia pedir a prisão preventiva de Cunha (Elza Fiúza/ Agência Brasil)

O mesmo raciocínio empregado pelo ministro Teori poderia ser adotado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, numa representação de imposição de prisão preventiva de Cunha.
Uma custódia, aliás, mais do que necessária, como é público e notório, para garantia da ordem estabelecida, conveniência da instrução criminal e a fim de se assegurar, no caso de condenação, a aplicação da lei penal.
Não se deve esquecer, ainda, poder qualquer cidadão representar ao procurador Janot para avaliar e eventualmente postular no STF a prisão preventiva de Cunha. Não se aconselha, embora legal, voz de prisão dada por comum mortal, pois a esperteza de Cunha poderia transformá-lo em vítima de desacato.
Por outro lado, a presidenta Dilma, é sabido, não está sendo acusada, ao contrário de Cunha, de corrupção e lavagem de dinheiro, crimes comuns.
Na denúncia mandada processar por Cunha, imputa-se contra Dilma autoria de crime de responsabilidade no exercício das funções presidenciais, por infração à lei em face de: 1. Créditos suplementares não autorizados pelo Congresso. 2. Irregularidades na Petrobras, com destaque à aquisição de Pasadena. E 3. Pedaladas fiscais, mediante adiantamentos realizados por bancos públicos.
Em casos de impeachment, o julgamento do mérito das acusações é político e cabe com exclusividade ao Senado, vencida a fase de admissibilidade da acusação na Câmara.
A bem da verdade, gasta-se tinta ao sustentar a falta de fundamento jurídico para oimpeachment sem se bater à porta do Supremo Tribunal Federal. Em uma situação como a atual, cabe sim ao STF analisar e decidir sobre ilegalidades e inconstitucionalidades.
A Corte, assim, poderá decidir se as acusações contra Dilma, em tese, se adequam ou não ao crime de responsabilidade. E o STF poderá declarar ser inadmissível oimpeachment por atos ocorridos no primeiro mandato de Dilma, conforme está claro no artigo 86, parágrafo 4º da Constituição.
É ingenuidade achar que, no Senado, haverá julgamento à luz de aprofundado exame de questões jurídicas, mais especificamente sobre a tipicidade e a presença de intenção dolosa. Num julgamento político, colhido na base do “sim” ou “não”, pode contar o fato de outros presidentes terem dado pedaladas e não ter havido dolo por parte de Dilma.
Mas pode contar a oportunidade da permanência na função e de se considerar Michel Temer como a salvação da lavoura. Caso a decisão do Senado seja condenatória, o STF, salvo irregularidades formais e nulidades, jamais cassará decisão de mérito.
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