“Fogo de bosta”
Colei na TV Câmara a partir do momento em que Eduardo Cunha entrou em cena. A sessão de ontem prometia fortes emoções. Havia murmúrios de uma revolta latente. Tudo poderia acontecer. Nenhum deputado dirigiria a palavra ao presidente. Todos ficariam de costas para a mesa diretora.
Repudiariam o presidente que se afoga num mar de lama suíço.
Por outro lado, comentava-se, Cunha poderia dar o xeque-mate: anunciar ali ao microfone que finalmente aceitaria o pedido de abertura de impeachment da presidente enquanto ela estava em viagem à Finlândia!
Servi uma xícara de café e aumentei o volume da televisão. Prendi a respiração. Imaginei todas as redações do país em obsequioso silêncio à espera do grande embate.
A expectativa – e as apostas na Bolsa de Londres - cresceram depois do bate-boca transatlântico, de modo que todas as ambulâncias foram postas de plantão.
Provocado pelos incendiários de sempre, tais como Mendonça Filho, que, doido para ver o circo pegar fogo, enfileirou conselhos para acelerar o trâmite da degola, Cunha respondeu de forma blasé que "ia estudar", que "não era o assunto em pauta", como se não fosse com ele.
Nem os deputados deram pelota para o noticiário que enlameia Cunha (com a honrosa exceção dos do PSOL), respeitaram-no o tempo todo, jamais questionaram sua legitimidade, sempre o chamando de "presidente", nem Cunha colocou um só graveto de lenha na fogueira do impeachment, muito ao contrário, parecia estar tentando apagar o fogo nem tão rapidamente que afugentasse a oposição, nem tão devagar que irritasse a situação.
Certa vez, Boni me disse, em sua sala de vice-rei da Globo, que os desafetos Roberto Marinho e Brizola eram no fundo muito parecidos e adotavam o mesmo estilo chamado "fogo de bosta": "fazem muita espuma, mas o fogo logo se apaga".
Taí, fizeram escola.
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